O Evangelho e a Colmeia

O Evangelho e a Colmeia

Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.

Salmos 19:1 (NVI)

O texto citado acima nos ensina sobre a doutrina da revelação geral. Essa doutrina bíblica ensina que os atributos de Deus são mostrados ao homem através das coisas criadas. Essa doutrina afirma que Deus se revela aos homens através da criação, da história e do próprio ser humano, de forma que todos podem conhecer a existência de um Criador, sua bondade, sabedoria e poder, tornando-se assim indesculpáveis. Apesar da revelação geral ser insuficiente para a salvação, ela quase sempre nos leva para a revelação especial de Cristo nas escrituras.

Segundo a tradição, Davi foi o autor do Salmo 19 e é bem interessante o que ele diz sobre a natureza criada. Os céus, assim como toda a natureza, declaram os atributos e qualidades de Deus. No novo testamento também existe uma referência a essa verdade no ensino de Paulo em Romanos:

Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis;

Romanos 1:20 (NVI)

De acordo com Paulo, Deus revela seu poder e sua natureza claramente através das coisas que Ele criou. Cada parte da criação revela amplamente quem Deus é e o homem, dotado dos sentidos que Deus deu, pode compreender essas coisas e adorar o criador. Isso com certeza já aconteceu com você! Ao contemplar o mar, uma paisagem bela ou um animal que até então você desconhecia, qual foi sua reação? Geralmente nossa reação é de maravilhamento e espanto. Isso nos faz louvar a Deus por suas obras. Davi fez isso e o cristão também é chamado a adorar a Deus assim.

Os mestres da meditação

Ao estudar a vida dos puritanos e grandes teólogos do passado podemos perceber essa verdade. Geralmente eles meditavam em duas coisas: escrituras e natureza. Eles entendiam que a natureza criada refletia algumas verdades sobre o evangelho e até mesmo sobre a igreja. Calminha aí! Ao fim desse artigo citarei uma experiência que tive e você descobrirá porque o título é “O Evangelho e a Colmeia”. Antes de falar sobre minha percepção, vamos subir por alguns instantes sobre os ombros de quatro gigantes da igreja antiga. Descobriremos o que eles falaram sobre Deus e a natureza criada.

Agostinho de Hipona

Agostinho de Hipona foi um teólogo, filósofo e bispo cristão que viveu entre 354 a 430 d.C. na África romana. Ele foi um dos cristãos que mais influenciou a teologia e a filosofia ocidental. Em seu sermão de número 241, Agostinho cita o seguinte:

“Pergunte à beleza da terra, pergunte à beleza do mar, pergunte à beleza do ar que se expande por toda parte, pergunte à beleza do céu; pergunte a todos esses seres. Todos respondem: ‘Olhe para nós e veja como somos belos.’ Sua beleza é uma confissão. Quem fez a beleza mutável, senão Aquele que é a beleza imutável?”

Que coisa linda! Para Agostinho é como se a natureza falasse: Olhe para nós e veja as belezas de Deus. Quando olhamos para a criação de Deus vemos belezas criadas que refletem a beleza imutável do Deus criador. Não só o firmamento proclama e exalta a Deus, mas toda a criação. Nós como cristãos devemos ter olhos atentos para ver e perceber as maravilhas de Deus ao redor.

Irineu de Lyon

Irineu de Lyon ou Lião foi um importante bispo e um dos pais da igreja. É reconhecido até hoje por sua defesa da fé cristã contra as heresias. Aliás, ele escreveu uma obra intitulada “Contra as Heresias” e para fins de nosso estudo vejamos o que ele cita no Livro II, capítulo 6:

“A criação por meio de si mesma manifesta o Verbo [Cristo], para que Ele possa ser visto pelos que O veem. O mundo, de fato, é perfeitamente moldado, pois não é destituído de Deus, mas pelo Verbo de Deus recebeu sua forma e distinção, e seu [seu Verbo] poder se manifesta em toda parte.”

Aqui Irineu é bem cristocêntrico e aponta a criação como a manifestadora de Cristo no sentido de que os atributos de Deus são manifestos na criação. É parte também da teologia de Paulo afirmar que todas as coisas existem e permanecem por causa e por meio de Jesus Cristo:

Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.

Colossenses 1:17

Para a teologia bíblica, Jesus é aquele que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder. Ele é poderoso e faz com que a própria natureza demonstre verdades contidas na palavra de Deus e no evangelho.

Atenágoras de Atenas

Outro santo de Deus menos conhecido foi Atenágoras de Atenas. Ele foi um apologista de filósofo do século II. Defendia o cristianismo usando a filosofia para argumentar sobre a existência do verdadeiro Deus. Foi bastante influenciado pelas ideias de Platão.  Atenágoras escreveu a obra intitulada “Súplica em Favor dos Cristãos.” No capítulo 15 ele recorre às seguintes palavras:

“Se alguém inquirir por que todas as coisas foram feitas, descobrirá que o grande e admirável Deus criou e ordenou o mundo para que Sua sabedoria e Seu poder fossem manifestos.”

Atenágoras escreveu sobre algo que realmente acontece. Todo homem ou mulher que tem tempo para parar um pouco e se perguntar sobre as coisas criadas descobrirá a resposta inevitável. E a resposta para nossas perguntas sobre a criação só pode ser uma: Foi Deus! Até ex-ateus já chegaram a essa conclusão. É incrível como a porta de entrada para o cristianismo muitas vezes é a observância das coisas criadas.

Um ateu ou cético, por exemplo, pode simplesmente observar e pensar: existe tal perfeição na criação que é impossível que isso não tenha o dedo de um criador. Ainda que um ateu não admita que o “suposto” criador seja o Deus vivo do cristianismo, ele começa a perceber que a explicação para as coisas admiravelmente criadas não podem ser evidenciadas somente pela evolução ou qualquer outra teoria. Ele começa a pensar: existe algo a mais. Existe de fato uma mente pensante e sobrenatural que criou e controla todas as coisas. É nesse momento que a revelação geral leva uma pessoa a conhecer a Cristo através da revelação especial ou específica.

Basílio de Cesareia

Esse bispo foi uma das figuras mais influentes do século IV. Era bispo de Cesareia da Capadócia (na atual Turquia). Sua vida e obra tiveram um impacto duradouro na teologia, assim como na doutrina social da igreja. Sobre as coisas criadas, Basílio escreve em sua obra Hexaemeron (Nove Homilias sobre os Seis Dias da Criação) o seguinte:

O universo foi concebido em uma ordem admirável, e cada criatura foi introduzida na existência de acordo com leis que a conveniência exigia. […] As criaturas, por assim dizer, proclamam a sabedoria de seu Artífice, e a grandeza do universo nos leva à consideração do poder infinito Daquele que o formou.

Segundo Basílio, não há como observar o universo atentamente sem considerar a obra do criador ao qual ele chamou de Artífice. Segundo o dicionário, o artífice é um trabalhador, operário, artesão que produz algum artefato ou que trabalha em alguma arte. Para Basílio, a arte de Deus é o universo criado. Todo o cosmos é um quadro criado por Deus para proclamar seus atributos a nós.

Por que uma colmeia?

Durante minha caminhada cristã aprendi a observar a natureza. Geralmente quando estou em um lugar tranquilo, correndo ou indo e voltando do trabalho, observo as coisas ao redor. Às vezes é o por ou nascer do sol que me chamam a atenção. Outras vezes é um pequeno animal que nunca tive a oportunidade de ver até aquele momento. Até mesmo o funcionamento que alguma máquina ou mecanismo me fazem pensar sobre como Deus deu inteligência e sabedoria ao homem. Não sei se é assim com você, mas isso acontece bastante comigo.

Uma das últimas oportunidades que tive de meditar em Deus dessa forma foi observando uma colmeia. Dentro do meu ambiente de trabalho, em nossa sala de descanso existe uma colmeia que pouco a pouco foi crescendo sem ser interrompida. Sempre ao entrar e sair do trabalho fico meditando no trabalho daquelas abelhas. Mas o que uma colmeia pode nos ensinar acerca de Deus e do evangelho?

Existem várias lições que o comportamento das abelhas podem nos ensinar. São elas: ordem, companheirismo, esforço, mas nesse artigo quero pensar em somente uma coisa: paciência. Paciência aqui também pode ser sinônimo de constância e persistência.

Abelhas são extremamente pacientes na busca do seu objetivo. Estudiosos dizem que uma colmeia saudável geralmente demora 30 dias para ser formada. Desde o momento em que começam, o trabalho é perigoso e árduo, por estarem ao ar livre e expostas a ataques de predadores naturais e não naturais. Ma elas vão até o fim. São extremamente coordenadas e cada uma sabe sua função.

Abelhas-operárias são completamente o contrário de nós. Nós humanos infelizmente não somos muito pacientes e queremos que nossos objetivos sejam concluídos como mágica. Somos impacientes no trabalho, em casa, na igreja. Mas, Deus se importa com que sejamos pacientes nessa vida, pois somos peregrinos e forasteiros aqui.

Pensar sobre abelhas também nos leva a pensar sobre a igreja de Cristo. Somos como uma grande colmeia (corpo) onde cada um tem sua função. A medida que as pessoas vão sendo chamadas pelo evangelho, elas vão se enquadrando na igreja e sendo colocadas em pontos-chave para fazer a obra do Senhor. Porém, essa obra também é feita com paciência, devagar, de forma que não adianta dar uma passo maior que a perna. Cristãos antigos e modernos sempre chegam a essa conclusão: crescemos progressiva e constantemente. Crescimento saudável nunca é muito rapidamente, a não ser em algumas ocasiões em que Deus quis agir excepcionalmente.  Assim foi nos avivamentos, por exemplo, onde acontecia uma explosão de conversões e algum tempo depois a igreja voltava a crescer baseada na constância e paciência.

Se há uma coisa que marca a verdadeira igreja de Cristo é crescimento. Mas todo o crescimento nesses 2000 anos de história foi progressivo e constante. A igreja sempre cresce e não para mesmo que ela lute contra seus predadores naturais. No fim da história, assim como uma abelha ao concluir seu objetivo produz o puro mel, nós cristãos ao concluirmos nosso objetivo nos banquetearemos com nosso Senhor e Rei do Universo.

Para finalizar esse artigo, citarei uma frase do autor C. S. Lewis descrita no livro “Cristianismo Puro e Simples”:

“Devagar se vai ao longe”.

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