O Silêncio de José

O Silêncio de José

A Bíblia é recheada de histórias que nos emocionam, não é mesmo? Aliás, se a leitura da Bíblia não te causa emoções, ou você está fazendo uma leitura desatenta, ou está lendo rápido demais. Convenhamos, os servos e servas de Deus que perpassam as páginas do Grande Livro nos ensinam muitas coisas através do seu caráter e postura. Quando a Bíblia cita um personagem, por exemplo, não se limita somente a contar uma história, mas exemplifica o caráter da pessoa. Ao citar uma pessoa importante na história bíblica, a narrativa passa por pontos que elucidam o comportamento dos personagens. Através desses comportamentos, frases, ações e emoções conseguimos perceber o caráter desses indivíduos, que podem ou não glorificar o nome de Deus. Analisando e percebendo esse caráter podemos então imitar ou nos afastar.

Digo isso porque, como estamos tratando de seres humanos, existem também pessoas de mau-caráter citadas pelo texto bíblico, como o rei Manassés, por exemplo, que foi um dos piores reis de Israel (2 Rs 21 e 2 Cr 33). Outros maus exemplos são Acabe, Jezabel, Judas Iscariotes, Balaão, entre outros. Nas Escrituras existe sempre essa divisão: ímpio e justo, joio e trigo, ovelha e lobo. Vale aqui seguir o ensino do apóstolo Paulo que disse:

Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te.

2 Timóteo 3:5

Essas divisões de caráter na bíblia existem para facilitar a nossa compreensão. A bíblia não trata só de pessoas boas ou anjos. Existe sempre o outro lado da moeda e isso acontece, pois vivemos em um mundo que sofre as consequências do pecado original. Caráter é importante, e todo aquele que um dia foi tocado pelo evangelho da graça é transformado pelo poder desse evangelho. Essa transformação acontece em primeiro lugar no interior e depois no exterior. No interior, é algo mais sutil; já no exterior, é como uma flor a desabrochar. Por isso, o apóstolo Paulo não se envergonhava da mensagem da salvação, pois onde ela chegava, havia transformação nos corações. O evangelho é o poder de Deus que transforma o caráter.

Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego.

Romanos 1:16

Quem era José?

Como nossa intenção é estudar o caráter de José e, principalmente, seu silêncio e postura, não podemos deixar de saber sobre sua vida. Podemos encontrar esses dados na Bíblia e também na tradição da igreja. Porém, como a tradição muitas vezes é falha em relação aos dados, tentarei me concentrar resumidamente nos fatos bíblicos sobre a vida desse grande homem.

José foi pai adotivo de Jesus Cristo. Apesar de não ser o pai biológico (pois o nascimento ocorreu por obra do Espírito Santo, conforme Mateus 1:20), ele era o pai legal e protetor de Jesus. Esposo de Maria, ele era o provedor e cuidador do lar no qual Jesus habitava. José era descendente direto da Casa de Davi, segundo as genealogias de Mateus 1:1-16 e Lucas 3:23-38. Essa conexão era crucial, pois as profecias do Antigo Testamento afirmavam que o Messias prometido viria da linhagem real de Davi. José era carpinteiro de profissão e transmitiu esse ofício a seu filho. O termo usado para carpinteiro é tektōn (τέκτων). Esse termo grego costuma receber várias interpretações, sendo usado para designar os trabalhadores envolvidos em atividades econômicas ligadas à construção civil. Sendo assim, pode ser que além da carpintaria José fizesse outros tipos de trabalhos manuais. A respeito de sua morte, pode ser que ele tenha falecido antes da crucificação de Jesus ou no começo da fase de vida adulta de Cristo.

O Justo José

É importante darmos atenção ao que a bíblia diz sobre o caráter e postura de José. Apesar desse personagem não falar nada durante a narrativa no Novo Testamento, Deus dá, através da palavra, um belo testemunho sobre ele:

José, com quem Maria estava para casar, sendo um homem justo e não querendo envergonhá-la em público, resolveu deixá-la sem que ninguém soubesse.

Mateus 1:19

O texto de Mateus 1 informa que Maria estava comprometida para casar com José. Era um tipo de noivado, por assim dizer. Porém, antes de se unirem, qual a grande surpresa que José tem? Maria estava grávida! Nós não vemos aqui nenhum discurso de José. Não há nenhuma reclamação nem objeção, mas existe somente um ato. José, por não querer envergonhar Maria, agora faz planos para deixá-la. Enquanto ele planejava essas coisas, um anjo aparece em sonho e explica tudo o que estava acontecendo. Depois da explicação do anjo, José simplesmente obedece e recebe Maria como esposa:

Quando José despertou do sono, fez como o anjo do Senhor lhe havia ordenado e recebeu Maria por esposa. Porém não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus.

Mateus 1:24,25

Quando você lê essa narrativa com atenção, percebe que algo está faltando? Você começa a exigir que José fale alguma coisa! Você começa a pensar: será que ele está sofrendo? Qual será o tipo de emoção que ele está sentindo? Será que ele falará em algum momento? Mas ele não fala! Você percebe a dimensão do problema que José tinha que resolver?

Pelo menos na ótica de Mateus, Lucas e Marcos, José não fala. Não há um resmungo sequer diante daquela situação perturbadora. Há somente uma obediência silenciosa. Enquanto Maria aceita a missão dizendo: “Sou serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a tua palavra” (Lc 1:38), José aceita a incumbência da paternidade em paz e silêncio. Ele entende seu lugar no plano de Deus e simplesmente vai. Ele temia a Deus, e essa verdade nos lembra o que o salmista Davi disse no Salmo 25:12:

Quem é o homem que teme o Senhor? Ele o instruirá no caminho que deve seguir.

Salmos 25:12

Por ser um homem temente ao Senhor, agora ele foi instruído pelo Senhor. Ele creu na profecia, colocou sua fé nas palavras de Deus. É em cima desse entendimento que a tradição cristã durante muito tempo apelidou José de “o silencioso”. É claro que durante sua vida José deve ter se expressado em relação a sua situação, porém, se ele falou, suas palavras não foram citadas no texto bíblico. Na vida de José, o silêncio falou bem alto.

Em nossa vida também existem momentos que requerem silêncio. Existem situações e circunstâncias nas quais falar pode piorar ainda mais as coisas. Por isso, é bom meditar, esperar, confiar e descansar nos braços poderosos de Deus. O silêncio perante situações difíceis muitas vezes se transforma em oração, ainda que seja uma oração silenciosa. Escrevendo essas linhas, me lembro dos antigos puritanos que gostavam de meditar em silêncio sobre o evangelho. Eles muitas vezes se retiravam para lugares solitários a fim de meditar e pensar. Não era um esvaziar da mente, mas sim um encher o coração com a graça e a verdade da palavra de Deus. Como diz o profeta Jeremias em suas Lamentações:

Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do Senhor.

Lamentações 3:26

Um Exemplo para Nós?

A vida de José, com certeza, é um exemplo para nós. Sua justiça, caráter e exemplo deveriam ser imitados. Por mais que a Bíblia não fale muito sobre ele, percebemos que ele foi um típico pai judeu que instruía seu filho na lei e na justiça. É claro que ele sofria, com certeza tinha suas perplexidades e momentos ruins como qualquer um de nós, aliás, somos humanos. Mas, pelo que podemos perceber, ele sabia lidar com esses momentos.

A tradição cristã também acredita que José faleceu antes da crucificação de Jesus, pelo fato de não estar presente naquele momento importante. Mas, seja como for, olhe que coisa grandiosa percebemos nessa história: José era o legítimo provedor. Já citei esse fato acima. Ele proveu tudo que era necessário para o bem-estar de seu lar e família. Podemos até perceber pela narrativa bíblica que José ensinou um ofício para seu filho Jesus:

Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, e José, e Simão, e Judas?

Mateus 13:55

Era comum na cultura da época que o pai ensinasse o ofício para o filho. Isso era passado de geração a geração. Além disso, lembre-se que José amava Maria. Ele amava sua esposa a ponto de recebê-la mesmo em um momento difícil. Vemos assim na vida de José qualidades como: amor, cuidado, esforço, provisão, entre outras. Não são qualidades importantes a se imitar?

Homens de Deus muitas vezes silenciam. A dor, cansaço e desânimo muitas vezes são tão grandes que ficamos em silêncio. Entendemos que nossa missão de ter um lar para a glória de Deus não é fácil. Devemos prover, devemos oferecer amor e cuidado à esposa, devemos cuidar e ensinar os filhos, devemos nos preocupar com a igreja e a comunidade e, se tivermos tempo, descansamos! Brincadeiras à parte, essas coisas fazem parte da nossa missão. O fato de ser difícil não quer dizer que Deus nos isenta da missão de sermos pais amorosos e cuidadores. E o fato de Deus não nos isentar não quer dizer que ele não está conosco. Deus deseja que sejamos homens corajosos nessa época de imoralidade e devassidão. Deus deseja que ensinemos nossos filhos nos caminhos da verdade. Essa é a obra, ainda que seja cansativa.

José de Nazaré é, com certeza, um exemplo para nós que somos pais. Exemplo de fé, devoção e força. Que possamos olhar para as páginas das Escrituras Sagradas e perceber na vida dos grandes servos de Deus algo a imitar. Que possamos viver de fato de maneira digna do evangelho de Cristo.

Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho.

Filipenses 1:27

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